特察 - O status do tokusatsu no mundo moderno

É 2019 e os eventos de anime ainda só querem saber de Jaspion e Jiraiya. Como está o tokusatsu no Brasil e no Japão?

特察 - O status do tokusatsu no mundo moderno

Tudo começou quando, mais uma vez em 2019, um evento de anime brasileiro anunciou como convidado internacional principal mais um ator coadjuvante de uma série tokusatsu que passou no Brasil nos anos 80. Eu comecei a me perguntar se o público de tokusatsu no Brasil era grande o suficiente para justificar tamanho investimento e importância, e foi assim que eu caí no buraco do coelho.

Tokusatsu (特撮), que em japonês significa "efeitos especiais", é a denominação de um gênero de séries de TV que envolvem efeitos práticos, explosões, transformações, computação gráfica e outros recursos para contar uma história. No Brasil, o termo determina principalmente as séries japonesas de super-heróis que foram trazidas pro país entre os anos 70, 80 e 90. No Japão, a classificação é um pouco mais abrangente, incluindo séries de horror, séries de época com ninjas e samurais, e ficção científica com aliens e dinossauros. O termo lá é utilizado inclusive para séries americanas: a Wikipedia lista Red Dwarf, uma série britânica de ficção científica, como um dos tokusatsu da NHK. Pra fins de simplicidade, vou usar o termo pra me referir exclusivamente às séries de ação japonesas, especialmente para não ter que tocar no tema Power Rangers. A indústria de tokusatsu no Japão tem três empresas principais: Toei, certamente a maior do mercado e a única que ainda lança séries tokusatsu com regularidade na TV, com as franquias Super Sentai e Kamen Rider presentes na TV japonesa há décadas; Tsuburaya, criadores do Ultraman e que voltaram a produzir material da franquia nos últimos anos; e Toho, conhecida no mundo do tokusatsu pelos filmes de Godzilla.

Na foto: Capitão Aza. 👍👍

A história do tokusatsu na TV brasileira começou com National Kid (Toei), que estreou na Record em 1964. Em 1968, chegou ao Brasil pela Rede Globo a série Ninja Butai Gekko (Toei), seguido de Giant Robo (Toei) em 1969. Ambas seriam anunciadas no Brasil com os nomes Agentes Fantasmas e Robô Gigante. Em 1968, a Bandeirantes trouxe Ultraman e Ultra Q (a série que tecnicamente inaugurou a franquia Ultraman), além de Magma Taishi (Tokyu Agency), baseado num mangá de Osamu Tezuka e conhecido aqui como Vingadores do Espaço.

Nos anos 70, o Brasil viu a estreia de Ultraseven (Tsuburaya) em 1971, pela Bandeirantes. A Tupi trouxe Ésper - O Garoto a Jato (Kousoku Esper, da Senkousha), um tokusatsu baseado no mascote da empresa Toshiba que passou meio despercebido por aqui, e em 1975 trouxe O Regresso de Ultraman (Tsuburaya). A Globo trouxe em 1970 a série O Príncipe e o Dinossauro (Kaiju Ouji, da P Pro), e a TVS entrou na briga com a série Spectreman (P Pro), que estreou no fim da década mas só foi explodir em popularidade anos depois.

Foi no fim dos anos 80 que começou o boom brasileiro de tokusatsu como o conhecemos, protagonizado pela Rede Manchete. A rede trouxe Jaspion e Changeman em 1988; Flashman, Jiraiya e Lionmaru em 1989; Cybercop e Jiban em 1990; e Kamen Rider Black, Maskman e Spielvan em 1991. Em reação, a Bandeirantes trouxe Goggle V, Machineman, Sharivan e Metalder em 1990; e a Globo trouxe Bycrossers e Gyaban em 1991. Até a Gazeta estreou um tokusatsu: Shaider, trazido pela Globo Filmes e lançado em 1990. Todas essas séries foram produzidas pela Toei, com a exceção de Lionmaru (P Pro) e de Cybercop (Toho). Mas esse pico de novas séries foi tão forte quanto breve.

Tão popular que o Trem da Alegria chegou a lançar um single em vinil com uma música inspirada nas duas séries

A Manchete trouxe mais séries da Toei em 1994 e 1995 (Kamen Rider Black RX, Winspector, Solbrain e Poitrine), mas a rede já estava fragilizada e entrou com falência em 1999. Em 2000, a Record trouxe Ultraman Tiga (Tsuburaya) e, por fim, a RedeTV em 2009 trouxe Ryukendo (Shochiku). Mas foi aquele pequeno período ali em cima, entre 1988 e 1991, que criou uma legião de fãs e colocou o Brasil no mapa dos fãs de tokusatsu no mundo todo.

E isso é meio que um problema. Porque essa época foi formativa para muitas das pessoas que hoje comandam a indústria otaku brasileira, que agora trazem artistas e atores internacionais para satisfazer um nicho de público bastante específico, de pessoas que assistiram TV num determinado período que se passou 20 anos atrás e ainda se importam com essas séries. Meu objetivo com esta pesquisa era descobrir o tamanho do fandom brasileiro de tokusatsu, a relevância dessas séries hoje em dia, e o que leva os eventos brasileiros a adotarem essa estratégia.

Confesso que eu não conhecia Kousoku Esper antes de escrever esta matéria.

Meu primeiro teste de tornassol foi o Google Trends, a ferramenta do Google que permite consultar o volume de buscas relativo a um determinado tema, ao longo do tempo. É uma ferramenta bastante inteligente, capaz de identificar temas que englobam vários termos e também tem alguma noção de contexto. Por exemplo, ele é mais ou menos capaz de separar o interesse entre os filmes de Sherlock Holmes com o Robert Downey Jr. e a série Sherlock com o Benedict Cumberbatch:

Dois filmes de Sherlock Holmes foram lançados, em 2009 e 2011. A série da BBC teve quatro temporadas, em 2010, 2012, 2014 e 2016, mais um especial em 2015.

O primeiro passo foi entender quais são as séries que passaram no Brasil e ainda têm relevância hoje em dia. Para isso, eu dividi as 30 séries em grupos de 5 (o máximo que o Google Trends permite comparar por vez), coletei o volume relativo de buscas de cada grupo, depois comparei os "cabeças-de-chave" de cada grupo e fiz uma normalização para reunir todos os dados. Por ser uma métrica relativa, eu optei por medir em porcentagem, colocando o título mais popular como 100%. Segue abaixo o ranking geral, ou a "Escala Jaspion de Popularidade":

  • 100%: Jaspion
  • 72%: Jiraiya
  • 41%: Ultraman
  • 18%: Changeman
  • 14%: Jiban
  • 13%: Spectreman
  • 11%: Kamen Rider Black
  • 10%: Flashman
  • 8%: Ultraseven, Cybercop, National Kid
  • 7%: Lionmaru
  • 6%: Giant Robo
  • 5%: Winspector, Ryukendo, Maskman, Spielvan
  • 4%: Gyaban, Sharivan, Poitrine, Kamen Rider Black RX
  • 3%: Metalder, Shaider, Machineman, Goggle V
  • 2%: Solbrain, Tiga, Vingadores do Espaço, Bycrossers
  • 1%: O Regresso de Ultraman
  • 0%: Kousoku Esper (lol)

Por ser uma métrica relativa, podemos dizer que, no Brasil de 2019, Changeman tem 18% da popularidade de Jaspion, Flashman tem 10% e Winspector tem 5%. Não é nenhuma surpresa que Jaspion tenha se destacado - a série teve um filme brasileiro anunciado neste ano, além de uma continuação em mangá desenvolvida pela Editora JBC. Certamente ainda se mantém relevante. Compare o interesse nos top 5:

Além disso, notaram o pico de Ultraman, perto de abril? Ele coincide com o lançamento de uma série animada de Ultraman na Netflix. Então, embora Ultraman de modo geral tenha tido alguma tração no Brasil este ano, não foi graças à série antiga. Como esse valor está inflado artificialmente, eu vou considerar que Jaspion e Jiraya são os único tokusatsu que passaram na TV brasileira e ainda se mantêm relevantes hoje em dia, com um volume de buscas constantemente mais alto que o das outras séries.

Com esse dado em mãos, vamos à primeira pergunta: como está a popularidade de Jaspion perto de séries tokusatsu que não passaram no Brasil? No Japão, a Toei continua a lançar duas séries por ano, e a Tsuburaya lançou vários Ultraman em anos recentes. Será que o público brasileiro está interessado no que o Japão está trazendo de novidade? Seguem os resultados da comparação do volume de buscas de Jaspion contra os quatro últimos Kamen Riders, Super Sentais e Ultramans:

OK, acho que o Brasil não está muito interessado no que saiu de tokusatsu nos últimos quatro anos. Na Escala Jaspion de Popularidade, Kamen Rider Build (2017) pontuaria 3%, Lupinranger x Patranger (2018) pontuaria 3% e Ultraman Orb (2017) pontuaria 1%. Eis outra maneira de colocar essa situação: no Brasil, as séries de tokusatsu mais recentes têm menos relevância do que La Belle Fille Masquè Poitrine:

É enganoso dizer que o brasileiro ama tokusatsu. Certamente existe um público pra essas séries, mas ele é motivado principalmente por uma nostalgia que não se traduz em um interesse mais concreto. Mais honesto seria dizer que o brasileiro ama a Rede Manchete e o material japonês que ela trouxe pro Brasil, independente do gênero. Por exemplo. a popularidade atual de Jaspion se compara com a popularidade de algumas outras séries de anime trazidas pela Manchete naquela época:

Na Escala Jaspion de Popularidade, Yu Yu Hakusho pontua 85% e Sailor Moon pontua 79%, mantendo-se relevantes mesmo depois de um bom período sem grandes novidades, corroborando a teoria de que a nostalgia pela Rede Manchete é o que move boa parte desse público. Captain Tsubasa (aqui conhecido como Supercampeões) pontuou 46%, mas sua popularidade foi motivada em grande parte pelo remake de 2018 - notem a queda no volume de buscas quando a série acabou. Por fim, Shurato pontuou 8%, o que pode parecer baixo, mas não está muito longe da maioria das outras séries de tokusatsu que avaliamos.

Na foto: Poitrine/Patrine morre pelos nossos pecados

Ficou estabelecido que as séries novas de tokusatsu não têm tração no Brasil. Mas e quanto aos animes novos? Elas sofrem dos mesmos problemas? A Crunchyroll lança regularmente um top 10 séries mais assistidas no Brasil, então temos alguns nomes para comparar contra o tokusatsu mais popular que temos. Vou consolidar Naruto e Boruto numa coisa só e acrescentar mais 2 séries importantes que não estão na lista: Dragon Ball e Saint Seiya. Este é o ranking normalizado dessas séries na Escala Jaspion de Popularidade:

  • 2992%: Naruto
  • 1012%: Dragon Ball
  • 986%: One Piece
  • 686%: My Hero Academia
  • 572%: Saint Seiya
  • 550%: Attack on Titan
  • 450%: Black Clover
  • 450%: Demon Slayer: Kimetsu no Yaiba
  • 318%: JoJo's Bizarre Adventure
  • 118%: Dr. STONE
  • 118%: Hunter x Hunter
  • 100%: Jaspion

E este é o gráfico que compara as quatro séries do topo com Jaspion:

A série mais popular de tokusatsu no Brasil de 2019 é 30 vezes menos popular do que Naruto. A soma do volume de buscas de todas as séries tokusatsu que já passaram no Brasil (301%) é menor do que o volume de buscas de JoJo's Bizarre Adventure sozinho. Tokusatsu está longe de ser insignificante, mas é um nicho várias vezes menor do que o público de anime hoje em dia.

Note também que esse público de anime está acompanhando as séries junto com o Japão: há um crescimento de interesse em Naruto com a nova saga de Boruto, que o levou para a Vila da Folha do passado, e há um aumento notável de popularidade em My Hero Academia quando a nova temporada entrou em outubro. Diferentemente do tokusatsu, o fandom de anime que explodiu nos anos 80 e 90 se manteve vivo e crescente até os dias de hoje. É um público que está ativamente consumindo e procurando esse conteúdo, todos os dias.

O novo arco de Boruto injetou vida nova na franquia inteira

Quando eu cheguei nesses resultados, eu pensei em três explicações:

1) O responsável pela falta de popularidade do tokusatsu no Brasil é a falta de acesso e divulgação. Kamen Rider e Super Sentai não estão disponíveis em nenhum lugar pra assistir legalmente, e também por conta disso não são divulgados e promovidos por nenhuma empresa. O argumento faz muito sentido e certamente é uma parte importante, mas tem seus poréns: Ultraman Orb e Ultraman Geed foram exibidos em simulcast na Crunchyroll e nem assim alcançaram um público significativo; Power Rangers é TECNICAMENTE um tokusatsu, tem presença constante em canais de TV a cabo, brinquedos disponíveis em todas as RiHappy do país, e embora tenha uns 300% da popularidade do Jaspion, está em constante declínio.

2) O responsável pela falta de popularidade do tokusatsu no Brasil é o público-alvo dessas séries. Tokusatsu modernos são programas familiares, com um apelo muito mais forte com o público infantil. Como exemplo, olhe estas tabelas que listam a popularidade de cada um dos episódios de Kamen Rider Fourze (2011) e de Kaizoku Sentai Gokaiger (2011) de acordo com a faixa etária, reproduzidas abaixo:

As maiores audiências são nas colunas KIDS (entre 4-12 anos) e nas colunas M2 e F2 (respectivamente, homens e mulheres entre 35 e 45 anos de idade - possivelmente pais de família que vêm na onda das crianças). É muito difícil atingir esse público, que agora pode assistir o que quiser, quando quiser - especialmente quando seu conteúdo não está na TV aberta ou em plataformas de streaming de larga escala. E quando as crianças viram adolescentes, e portanto capazes de correr atrás por vontade própria desse conteúdo, eles perdem o interesse. Isso explica por que Ultraman Orb e Ultraman Geed não se popularizaram embora disponíveis via Crunchyroll (que ainda é uma plataforma de nicho), mas não explica por que o onipresente Power Rangers ainda é menos popular do que Black Clover.

3) O responsável pela falta de popularidade do tokusatsu no Brasil, além disso tudo acima, é a mudança dos tempos. Em um mundo pós-MCU, crianças talvez não se impressionem mais tanto com lutas mal-coreografadas e efeitos especiais baratos. Poderia ser um efeito similar ao que está acontecendo com luta-livre nos EUA, onde o Monday Night RAW, um programa semanal exibido ao vivo às segundas-feiras desde 1993, está atingindo os menores níveis de audiência da sua história, mesmo considerando a diminuição na audiência de TV ao vivo como um todo. Explicaria o lento declínio de Power Rangers, e até por que tão poucas séries de tokusatsu estão sendo produzidas hoje em dia.

Ryusoulger é o Super Sentai de 2019. A frase de efeito deles é "Que Bom!!" - assim mesmo, em português. È a primeira coisa que eles gritam na abertura e está no título do primeiro episódio.

Para entender o quão verídica são essas últimas duas afirmações, eu precisei ir mais a fundo na minha pesquisa. Se a afirmação 3 for verdade, por exemplo, os efeitos desse zeitgeist seriam observáveis em outros aspectos da sociedade, e eu seria capaz de encontrar dados para provar o que estou dizendo, ou para calar a minha própria boca. Vamos à parte 2.

PARTE 2: O IBOPE JAPONÊS

No Japão, a referência na audiência de TV e de mídia em geral é a Video Research Inc. Assim como o Kantar IBOPE no Brasil, números detalhados de aferição de audiência são restritos para clientes da plataforma, que pagam milhares de dólares para terem acesso a inteligência de mercado e realizarem decisões ponderadas sobre compra de espaços publicitários, investimento em licenciamento e similares. Como parte do contrato de fornecimento de serviço, os clientes geralmente possuem uma cláusula de não-divulgação dos dados, e é por isso que você poucos dados de audiência na internet. A Video Research Inc. mede audiência em "porcentagem de indivíduos que possuem TV", mas desde meados de 1967 é possível dizer que todo mundo lá tem televisão. O gráfico abaixo mostra a quantidade de indivíduos com TVs P&B e a cores por lá.

Linha preta = % de indivíduos com TVs P&B; Linha rosa: % de indivíduos com TVs coloridas

Mas em algum momento, um grupo de usuários do board 5chan se uniu para reunir todas as informações de audiência de tokusatsu que eles tinham em uma wiki, provenientes de revistas, fontes independentes e recortes antigos de jornais. É um trabalho interminável de classificação, averiguação e catalogagem que você pode conferir neste link (use a barra de busca ou o menu lateral esquerdo para navegar). Eles possuem dados de audiência para mais de 500 séries, desde as mais atuais até clássicos e coisas bem obscuras tipo, sei lá. Vanny Knights.

Gekko Kamen (1958), batia uma média de 40% de audiência e chegou a atingir um pico de 67.8% em um dos episódios - certamente um fenômeno

Meu intuito original era puxar apenas as médias das franquias mais famosas. Depois, eu decidi puxar as médias de todas as séries que passaram no Brasil, também. Aí eu percebi que o gráfico ficaria mais completo se eu pegasse os dados de cada episódio. A essa altura, eu já tinha escrito um crawler pra ripar os dados da página pra mim, então eu pensei: por que não pegar todos os dados de audiência da história do tokusatsu?

Contemplem:

Um pouco confuso, não? A wiki possui dados sobre mais de 500 séries, então é natural que haja muito ruído e fique difícil de entender. As versões abaixo incluem apenas as franquias Super Sentai, Kamen Rider, Ultraman e Metal Heroes:

Algumas observações:

  • Todas as séries observaram quedas ao longo das décadas. Mesmo com longos hiatos, Ultraman ainda conseguia disputar o topo da audiência nos anos 1980 (Ultraman 80), nos anos 1990 (Powered, G, Tiga, Dyna, Gaia) e nos anos 2000 (Cosmos), mas as novas séries estão bem abaixo de seus concorrentes.
  • Quando Goranger, o primeiro Super Sentai estreou, ele era exibido às noites de sábado. Ao passar dos anos, as séries subsequentes foram movidas para horários mais cedo, até a programação ser movida para as tardes de sexta-feira em 1989. Isso causou uma queda abrupta de audiência, mas o programa continuou estável nos anos 90. Em 1997, o bloco de Super Sentai foi movido para os domingos de manhã, onde está até hoje.
  • Kamen Rider teve uma história parecida. Exibido nas noites de sábado até 1980 (Kamen Rider Super-1), quando foi movido para domingos de manhã. Mas entre 1980 e 2000, apenas Kamen Rider BLACK e sua continuação foram lançadas na franquia, com a Toei depositando seu foco na franquia Metal Heroes. Inicialmente lançados nas noites de sábado, os Metal Heroes foram movidos para as manhãs de domingo a partir de 1987, com Metalder. A partir do ano 2000, Kamen Rider voltaria com a série Kuuga e formaria um bloco de uma hora de tokusatsu nas manhãs japonesas que perdura há 20 anos.
  • Graças a esse bloco unificado, a audiência de Kamen Rider e de Super Sentai se consolidou de tal forma que a empolgação com uma série acaba puxando a outra junto. Em 1999, Kamen Rider Kuuga e Agito foram recebidos com bastante empolgação e trouxeram vários fãs para o bloco, causando uma subida nos números do Super Sentai. Similarmente, em 2009, Kamen Rider Decade reuniu todos os Riders da década numa trama unificada, gerando um aumento significativo em audiência que se refletiu em Shinkenger.

Tokusatsu também está perdendo audiência no Japão, simplesmente por existir. Entre 1996 e 2019, a população do país aumentou apenas 0.5%, mas a população de crianças de até 14 anos diminuiu 20%. O gênero enfrenta competição de videogames e uma indústria explosiva de animes, mais opções de entretenimento do que nunca. E enquanto a Netflix e a Amazon Prime japonesas disputam a tapa cada um dos títulos de animes produzidos toda temporada, os tokusatsu da Toei são distribuídos apenas pelos serviços Toei Tokusatsu Fan Club e por um serviço menor chamado VideoPass. E pra piorar, por dependerem muito do público infantil, eles dependem muito da televisão para distribuir o conteúdo. E a audiência de televisão está despencando.

Não acredita? Pois eu também não acreditava muito.

Esse aí é o Kamen Rider Decade. Ele usa cartas pra se transformar nos 9 Riders anteriores e essencialmente é tudo culpa dele.

Como eu disse, o Video Research Inc. não revela de graça todos os dados que audiência que possui. Mas assim como o Kantar IBOPE, ele solta algumas informações como forma de branding: mantendo o público interessado no discurso de audiência como sinal de qualidade, posicionando-se como a fonte de verdade na medição de audiência, etc. No caso do Video Research Inc., o que eles fazem é liberar um reporte semanal com os 10 programas mais assistidos em 8 categorias diferentes: "noticiários", "educacionais", "novelas", "musicais", "filmes", "anime", "esportes" e "outros".

Ciente do valor dos dados, eles disponibilizam o catálogo de relatórios apenas para os últimos cinco anos. Mas eles são uma empresa com vários anos de mercado, o site deles está no ar há décadas, e felizmente o Internet Archive disponibiliza versões antigas do site com dados que datam desde 1996. Então eu lhes apresento o seguinte gráfico, que calcula a audiência média semanal dos top 10 programas japoneses de TV, divididos pelas 8 categorias:

Os programas menos afetados foram os noticiários, que perderam em torno de 18% da audiência. A seguir temos programas educacionais (que inclui talk shows matinais, travelogues e programas de variedades), que perderam 25%; novelas, esportes e filmes, que perderam de 40% a 50% da audiência; e animes e musicais, que perderam ~65% da audiência. A narrativa aqui é bem simples: quanto mais jovem o público-alvo de um programa ou gênero, mais ele sofreu com a queda.

Dos anos 1996 pra cá, Super Sentai e Kamen Rider despontaram 16 vezes nesse top 10 semanal, em exibições do filmes das séries. Em 28 de dezembro de 2011, a TV Asahi exibiu o filme Kamen Rider Decade: All Riders x Daishocker às 23:20 de uma quarta-feira e marcou 3.9% de audiência. Isso acontece porque a categoria de filmes é a menos disputada das 8 e permite essas surpresas em semanas de menos movimento. As séries semanais são consideradas novelas/doramas, e o pior colocado do top 10 geralmente tem o triplo da audiência dos Super Sentai e dos Kamen Rider.

As crianças, os adolescentes e os jovens adultos estão, em proporções distintas, abandonando a TV linear em favor de serviços on-demand. Um sinal bastante forte disso são os "time-shift ratings" que a Video Research Inc. distribui, calculando a audiência das pessoas que gravaram o programa para assistir depois. Eles fornecem poucos dados gratuitos, mas é possível ver neste link e na tabela abaixo que muitas vezes a audiência time-shift é maior que a própria audiência ao vivo:

Últimas três colunas são audiência ao vivo (%), audiência time-shift (%) e total (%). Os quadradinhos da segunda coluna indicam a natureza do programa - no caso, as 10 maiores audiências de time-shift do Japão são doramas.

Com esses dados, podemos comparar as audiências de Kamen Rider e Super Sentai com algumas das séries de anime mais longevas do Japão:

Variações de audiência no período entre 2001 e 2019, quando todas as séries já estavam no ar:

  • Chibi Maruko-chan: -42%
  • Sazae-san: -43%
  • Crayon Shin-chan: -53%
  • Detective Conan: -59%
  • Super Sentai: -70%
  • Kamen Rider: -73%

Em média, entre 2001 e 2019, os animes perderam 49% de sua audiência, enquanto os tokusatsu perderam 72% de sua audiência. E isso vale tanto para séries com mais apelo entre o público adulto, como Sazae-san, quanto séries mais jovens como Detective Conan. Mesmo num mercado em queda como a TV, mesmo comparado com séries bastante infantis, tokusatsu está caindo numa velocidade bem maior que o resto.

Por fim, podemos também comparar os tokusatsu com as séries de anime que também passam de domingo de manhã no Japão:

Tem uma briga de peixe grande nas manhãs japonesas entre a Fuji TV e a TV Asahi.

A Fuji TV tem um bloco chamado Strong 9 que começa às 9:00 (como o próprio nome diz), tem duração de uma hora e exibe dois lançamentos. One Piece estreou em 1999 nas noites de quarta-feira, mas desde 2001 ele ocupa o slot das 9:30 de domingo. O slot das 9:00 é um pouco mais bagunçado, e de 1996 até 2019 ele exibiu 14 séries diferentes, como Digimon, Dragon Ball Super e Toriko - a lista completa está aqui. Por algum tempo, a Fuji TV também colocou um anime às 8:30 da manhã de domingo, mas o bloco não resistiu à competição.

Por sua vez, a TV Asahi tem o bloco Super Hero Time, que começa às 7:30 com Super Sentai, 8:00 com Kamen Rider e 8:30 com Pretty Cure. Ou melhor, começava: desde meados de 2017, as duas séries de tokusatsu foram movidas para 9:00 e 9:30, dando lugar a um talk show de 3 horas e meia, mas isso não parece ter afetado muito a audiência.

Luffy desafia três Almirantes da Marinha durante o Arco de Marineford

Comparando a variação de audiência em 2005 e 2019, quando todas as séries já estavam no ar:

  • One Piece: -52%; Pretty Cure: -56%; Média dos animes: -54%
  • Kamen Rider: -62%; Super Sentai: -64%; Média dos tokusatsu: -63%

Em suma: mesmo comparando as séries tokusatsu em exibição com outras séries animadas, com o mesmo público-alvo e exibidas no mesmo dia, quase na mesma hora e até no mesmo canal, tokusatsu continua caindo numa velocidade maior do que o anime. Tokusatsu está perdendo o charme entre as crianças, por algum motivo que não é distribuição, não é promoção, e não é acessibilidade. A nova geração não se empolga ou se impressiona tanto quanto as gerações anteriores.

Todos esses dados de audiência que eu coletei estão disponíveis neste link aqui. Fique à vontade para trabalhar em cima dos dados independentemente, ou apenas para ver a audiência de suas séries favoritas!

Kamen Rider Hibiki, considerado pelas pessoas de bom gosto como O Melhor Kamen Rider

CONCLUSÃO

Coisas que sabemos: As únicas séries de tokusatsu verdadeiramente populares no Brasil de 2019 são Jaspion e Jiraiya, e todas as outras séries são de 5 a 30 vezes menos relevantes do que elas. Qualquer série da nova geração tem expressão basicamente nula em território brasileiro. E embora Jaspion especificamente seja bastante popular, ele faz menos sucesso do que a maioria das séries populares de anime que saíram na última década.

Tokusatsu não é um gênero pequeno que está crescendo. Ele está encolhendo a cada ano aqui no Brasil. No Japão, as novas gerações se importam menos e menos com tokusatsu, mesmo levando em conta o envelhecimento da população japonesa. As audiências dos shows de lá estão despencando, mais rápido que qualquer outra categoria de programas de TV. As poucas franquias que restam estão sofrendo para se manter de pé, e a distribuição delas está limitada a serviços de nicho.

Animado pelo Studio TRIGGER, SSSS.GRIDMAN ficou bastante popular e é considerado um dos melhores animes de 2018. Não é tokusatsu, mas tá ali.

Óbvio que nem tudo está perdido. A Tsuburaya, por exemplo, entende que é preciso reconstruir a marca e alcançar o público. Além de lançar várias de suas séries na Crunchyroll, também estão lançando um monte de conteúdo gratuitamente em seu canal oficial de YouTube, incluindo a nova série Ultraman Taiga que é lançada hoje em dia na TV japonesa. Uma nova versão animada de Ultraman está sendo distribuída mundialmente pela Netflix, assim como SSSS.GRIDMAN, baseada em outra franquia da empresa e que foi bastante aclamada pela crítica. Veremos com o tempo se essa estratégia vai se pagar, mas com o anúncio recente de uma nova temporada de SSSS.GRIDMAN, as perspectivas são interessantes. A Toei ensaiou algo parecido, com Kamen Rider Amazons (exclusivo da Amazon Prime), mas que encontra-se indisponível no Brasil no momento. CORREÇÃO: Kamen Rider Amazons está disponível, sim, no Brasil, sob o nome Amazon Riders. Obrigado a @DouglasSenpai e @felipevinha pela correção!

Minha intenção original era entender o porquê de tantos eventos brasileiros de anime investirem tanto em atores e atrizes de tokusatsu antigos, ao invés de qualquer outra coisa mais recente de anime. Depois de olhar todos esses dados, a minha conclusão é: sei lá? Eu quero muito ver os eventos de anime crescerem e trazerem novidades e convidados que me interessem, mas tem alguma desconexão entre a estratégia deles e a realidade que eu enxergo que eu não consigo conectar. A minha esperança é que outros eventos sigam o exemplo do Animazon, que trouxe em 2019 o diretor de animação de JoJo's Bizarre Adventure para falar de sua experiência na obra e interagir com os fãs da franquia, e que conseguiu ganhar até um pouco de tração internacional graças à entrevista que fizeram com ele.

(Colaboraram com o post Douglas Yung, que revisou as datas de estreia das séries de TV no Brasil, e Deufo, que revisou a metodologia. Dados coletados da Tokusatsu Shichouritsu Hokan e do site da Video Research Inc., através do Internet Archive.)

UPDATE: a conta de Twitter @MegaPowerBrasil fez uma mini-thread falando sobre o contexto de Power Rangers nos últimos anos e eu recomendo a leitura!

UPDATE 2: as datas de lançamentos de tokusatsu na TV brasileira foram atualizadas e corrigidas graças ao feedback do Matheus Mossmann!